A Síndrome Glútea Profunda descreve a presença de dor na nádega causada por compressão/irritação não discogênica (fora da coluna lombar) e extra pélvica do nervo ciático (figura 1). Várias estruturas podem estar envolvidas no aprisionamento do nervo ciático dentro do espaço glúteo. O diagnóstico se baseia em uma história clínica completa, exame físico e exames de imagem.
Introdução
O progresso na compreensão da anatomia da região posterior do quadril e a cinemática do nervo ciático ajudou a identificar vários locais em que o nervo ciático pode sofrer compressão. Por essa razão, o termo Dor Glútea Profunda tem sido usado em substituição ao termo “Síndrome do Piriforme”, por se tratar de um problema que pode ser causado por estruturas outras além do músculo Piriforme e seu tendão.
As estruturas que podem estar envolvidas no aprisionamento do nervo ciático no espaço glúteo incluem o músculo Piriforme (e suas possíveis variações anatômicas), bandas fibrosas contendo vasos sanguíneos, músculos glúteos, músculos Isquiotibiais (“posteriores da coxa”), o complexo muscular Gêmeos-Obturator Interno, anormalidades vasculares (varizes), além de lesões tumorais.
Definição de Espaço Glúteo Profundo e Cinemática do Nervo Ciático
As bordas do espaço glúteo profundo são definidas por (figura 2):
– Posteriormente: o músculo glúteo máximo;
– Anteriormente: a coluna acetabular posterior, cápsula da articulação do quadril
e região proximal do fêmur;
– Lateralmente: margem lateral da linha áspera e tuberosidade glútea;
– Medialmente: ligamento Sacrotuberoso e fáscia falciforme;
– Superiormente: margem inferior da incisura ciática;
– Inferiormente: origem proximal dos Isquiotibiais na tuberosidade isquiática.

Fig. 2. Espaço Glúteo Profundo. Um quadril esquerdo cadavérico com o músculo Glúteo Máximo rebatido. O trajeto do Nervo Ciático (1) ao entrar na pelve (Espaço Glúteo Profundo) pela incisura ciática anteriormente ao músculo Piriforme (2) e ligamento Sacrotuberoso (3). À medida que o nervo se desloca distalmente em direção à origem dos músculos Isquiotibiais e do Ísquio (4), passa posteriormente ao complexo Gêmeos-Obturador Interno (5) e músculo Quadrado Femoral (6, nesta imagem com a porção inferior do músculo removida para expor o trocânter menor). Estruturas laterais incluem o Trocânter Menor
(7) e Trocânter Maior (8).
O nervo Ciático possui mobilidade significativa com os movimentos do quadril. Ele se movimenta/desliza por até 28 mm durante a flexão do quadril. O movimento do nervo pode ser afetado por variações anatômicas entre o nervo e o músculo piriforme, a posição do quadril e a posição do joelho. Em flexão profunda, abdução e rotação externa do quadril, o nervo ciático desliza pela borda posterior do grande trocânter; além disso, em flexão máxima, abdução e rotação externa, o semimembranoso e a borda posterior do grande trocanter podem entrar em contato. Quando o joelho está flexionado, o nervo se move posterolateralmente e quando o joelho está extendido, o nervo se move profundamente no túnel).
História
O diagnóstico da Síndrome Glútea Profunda baseia-se em um histórico abrangente e exame físico do quadril. A coluna lombar desempenha um papel importante no diagnóstico diferencial de dor irradiada para o quadril. Portanto, uma diferenciação dos problemas provenientes da coluna deve ser realizada durante a história e o exame físico. Uma vez que a patologia lombar for descartada usando exame físico e de imagem, o exame físico deve ser direcionado para o espaço glúteo profundo como causa de dor posterior (até 5% dos casos de dor ciática são devidos à Síndrome da Dor Glútea Profunda).
Pacientes com aprisionamento do nervo Ciático podem, com frequência, apresentar histórico prévio de trauma. A dor tende a piorar ao sentar-se. A presença de dor radicular pode ou não estar associada à parestesia (dormência/formigamento) da perna afetada. Os pacientes podem apresentar sintomas neurológicos como reflexos anormais ou fraqueza motora. Alguns sintomas podem imitar uma lesão dos tendões isquiotibiais ou simular uma lesão intra-articular do quadril (como dor, sensação de queimação ou cãibras na nádega ou na parte posterior da coxa). Os fatores ou posições que aumentam ou diminuem a dor podem ditar a abordagem diagnóstica. Uma dor ao sentar-se é geralmente associada ao aprisionamento/compressão do nervo Ciático sob o músculo Piriforme. Uma dor lateral ao ísquio durante o caminhar pode ser associada à Síndrome do Impacto Isquiofemoral.
Possíveis locais de compressão não discogênica do nervo Ciático incluem: abaixo do músculo Piriforme (62%); Forame Isquiático (6%); Túnel Isquiático (4,7%); sem diagnóstico (4,2%); dor discogênica com dor referida na perna (3,4%); Nervo Pudendo / ligamento Sacroespinhoso (3,0%); compressão ciático distal (2,1%); tumor do nervo Ciático (1,7); compressão do plexo lombossacral (1,3%); hérnia de disco lateral não reconhecida (1,3%); lesão na raiz nervosa devido à cirurgia da coluna (1,3%); descompressão cirúrgica inadequada da raiz espinhal (0,8%); estenose lombar apresentada como dor ciática (0,8%); inflamação da articulação sacroilíaca (0,8%); fratura Sacral (0,4%); tumor no plexo lombossacral (0,4%)
A dor posterior do quadril pode ter origem em uma patologia intrapélvica, portanto um histórico urológico e ginecológico deve ser abordado para detectar qualquer sinal sugestivo de aprisionamento intrapélvico, como variações cíclicas na dor.
Imagens de alta resolução da pelve ou abdômen auxiliam em identificar Endometriose ou aprisionamento por estruturas vasculares ao redor do nervo Ciático na região intra-abdominal.
A dor posterior do quadril geralmente tem evolução crônica podendo afetar significativamente a qualidade de vida. Portanto, uma avaliação psicológica antes de qualquer tratamento deve ser recomendada para pacientes que apresentem histórico de dor crônica com >6 meses de duração, que estejam usando narcóticos, e que tenham uma função social prejudicada. Estratégias psicológicas para diagnosticar Depressão e Transtornos de Ansiedade relacionados à dor crônica podem afetar os resultados e a satisfação do paciente.
Exame Físico
Alguns testes específicos são especialmente úteis na avaliação do paciente com dor na parte posterior do quadril. O teste de estiramento passivo do piriforme (teste de Freiberg) é feito com flexão passiva do quadril, adução e rotação interna enquanto o examinador palpa a região glútea profunda (figura 3). O teste de contração ativa do piriforme (teste de Pace) é feito com abdução e rotação externa ativa do quadril enquanto o examinador monitora o piriforme (figura 4). A combinação dos testes mostrou sensibilidade de 91% e especificidade de 80% para o diagnóstico de aprisionamento do nervo ciático.
A palpação das estruturas glúteas é fundamental para o diagnóstico de dor glútea. Usando a tuberosidade isquiática como referência, a reprodução de dor pela palpação pode orientar a provável fonte dos sintomas da seguinte forma:
– Na incisura isquiática: a Síndrome do Piriforme (figura 5A);
– Lateral à tuberosidade: a Síndrome do Túnel Isquiático ou a Síndrome do Impacto Ísquiofemoral (figura 5B);
– Medial ao Ísquio: aprisionamento do nervo Pudendo (figura 5C).
Os diagnósticos diferenciais mais importantes em um paciente com dor posterior no quadril são a Síndrome do Impacto Ísquiofemoral e a Síndrome do Túnel Isquiático (também conhecida como Síndrome dos Tendões Isquiotibiais). No primeiro caso, um teste provocativo deve ser realizado com o paciente em decúbito contralateral e com o quadril afetado em extensão passiva. Os resultados desse teste são considerados positivos quando os sintomas se reproduzem em adução do quadril ou extensão em posição neutra, enquanto extensão com abdução do quadril não reproduz os sintomas (figura 6A e B). No segundo caso, durante o teste ativo de força dos isquiotibiais contra resistência do examinador e com joelho em 30° de flexão, ocorre dor e diminuição de força, enquanto com o joelho em 90° de flexão a força é normal e a dor tende a melhorar (figura 7).

Fig. 3. Teste de estiramento do piriforme sentado. O paciente está sentado com o quadril em 90° de flexão. O examinador estende o joelho e move passivamente o quadril flexionado em adução (seta sólida) com rotação interna (seta tracejada) enquanto palpa 1 cm lateralmente ao ísquio (com o dedo médio) e proximalmente na incisura ciática (com o dedo indicador). O teste é positivo quando há a recriação da dor posterior no nível do piriforme ou rotadores externos.

Fig. 4. Teste de contração ativa do piriforme. Na posição lateral, o paciente empurra o calcanhar para baixo contra a maca com abdução e rotação externa ativas do quadril (seta amarela) contra a resistência do examinador (seta laranja). O examinador palpa no nível do piriforme.

Fig. 5. Palpação do espaço glúteo profundo. (A) Na incisura ciática maior (contornada em preto). O trajeto do músculo piriforme (representado em vermelho) e o nervo ciático (representado em amarelo). (B) Lateral ao ísquio (linha vermelha sólida). O caminho dos tendões Isquiotibiais (linha vermelha tracejada) e nervo ciático (representado em amarelo). (C) Medial ao Ísquio. O caminho do ligamento Sacrotuberoso (representado em azul) e o nervo Pudendo (linha amarela).

Fig. 6. Teste de impacto Isquiofemoral. (A) O quadril sintomático é trazido passivamente em extensão, sem abdução ou adução. Um teste positivo é a recriação da dor na parte posterior do quadril. (B) O quadril sintomático é levado passivamente em extensão associado à abdução do quadril com o desaparecimento da dor.

Fig. 7. Teste de contração ativa dos tendões Isquiotibiais. (A) O paciente realiza uma flexão ativa do joelho contra resistência com o joelho a 90°. Pode-se observar força normal sem dor. (B) O paciente realiza uma flexão ativa do joelho contra resistência com o joelho em 30° de flexão. Fraqueza e reprodução dos sintomas nessa posição caracterizam um teste positivo.
Diagnósticos diferenciais de dor glútea profunda são resumidos na tabela 1.
Tabela 1
| Diagnóstico | História | Exame Físico | Testes auxiliares |
| Compressão Nervo Pudendo | Dor no território do nervo pudendo, com piora ao sentar-se, não acorda o paciente à noite.
Dormência |
Dor medial ao Ísquio | Infiltração guiada por imagem |
| Impacto Isquiofemoral | Dor ciática
Dor lateral ao Ísquio Dor lombar baixa Claudicação |
Teste “Long Stride Walking” reproduz a dor no final da extensão do quadril;
Dor lateral ao Ísquio; Teste Impacto Isquiofemoral + |
Ressonância Magnética mostra redução do espaço Isquiofemoral e espaço Quadrado Femoral, além de edema do músculo Quadrado Femoral |
| Síndrome do Túnel Isquiático (tendinopatia dos Isquiotibiais) | Dor ciática
Claudicação Dor piora com flexão do quadril e extensão do joelho |
Dor lateral ao Ísquio
Teste de contração ativa dos Isquiotibiais+ Teste “Long Stride Heel Stryke” reproduz os sintomas |
Infiltração guiada por imagem
Ressonância Magnética mostra lesão dos Isquiotibiais com edema ao redor do nervo Ciático |
Tratamento
Injeções intraarticulares e extraarticulares guiadas por imagem (anestésico local e corticóides) foram descritos como sendo muito úteis para auxiliar no diagnóstico preciso e no tratamento dessas patologias complexas. A infiltração de toxina botulínica também é uma terapia adjunta eficaz no tratamento da Síndrome do Piriforme.
Em casos raros de falha da terapia conservadora (incluindo fisioterapia, analgésicos e anti-inflamatórios, injeções/infiltrações), o tratamento cirúrgico (aberto ou endoscópico) deve ser considerado. Vários estudos relataram bons resultados após descompressão aberta do nervo Ciático em pacientes com Dor Glútea Profunda.
Avaliação endoscópica e técnica de descompressão
A endoscopia (cirurgia por vídeo) permite a completa visualização e descompressão do nervo Ciático extrapélvico no espaço glúteo profundo. Durante a cirurgia, a avaliação da condução nervosa é feita através da monitorização eletrofisiológica.
A inspeção do nervo ciático deve incluir o reconhecimento da sua aparência (normal versus anômala) e da sua mobilidade (figura 8).

Fig. 8. Inspeção do nervo ciático. (A) Nervo ciático normal com presença de fluxo sanguíneo e gordura epineural. (B) Nervo ciático anormal com aparência esbranquiçada e sem gordura epineural.
Reabilitação pós-operatória
A reabilitação dessas patologias complexas é fundamental para o sucesso da cirurgia. O objetivo da reabilitação é ganhar mobilidade na articulação do quadril e evitar qualquer tipo de estiramento ou tecido fibrótico ao redor do nervo Ciático. O processo completo de reabilitação pode levar até 6 meses para que o paciente retome as atividades prévias. Técnicas de circundação completa do quadril, alongamento do músculo piriforme e técnicas de mobilização do nervo Ciático podem ser aplicadas conforme tolerado pelo paciente (figuras 9 e 10).

Fig. 9. Alongamento do piriforme — em posição sentada, o paciente cruza a perna que será alongada com o pé posicionado perto do joelho. O alongamento é realizado com o paciente trazendo o joelho em direção ao ombro contralateral. A duração e a quantidade de repetições são determinadas de acordo com o avanço da cicatrização.

Fig. 10. Técnica de mobilização do nervo Ciático — paciente em posição sentada, com as duas mãos sob o joelho. O exercício é realizado com a mobilização da rede da cadeia neural posterior. (A) Extensão cervical, flexão do joelho e dorsiflexão do tornozelo. (B) Flexão cervical, extensão do joelho e flexão plantar do tornozelo. O paciente pode aplicar flexão e extensão lombar durante o exercício.
Em alguns casos, uma joelheira específica para limitar a extensão do joelho e manter o nervo Ciático relaxado pode ser necessário. Com um protocolo de reabilitação adequado, resultados bons a excelentes podem ser alcançados.
Dr. Anderson Luiz de Oliveira
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT)
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ)
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE)
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte (SBRATE)


